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Algumas digressões sobre o todo

Desenho: Felipe Stefani

Chega uma hora em que você se dá conta de que não existe solução para o mundo, as pessoas, as coisas; não há uma saída, inexiste uma chave, quer dizer, existem chaves para algumas passagens, mas eu digo uma chave total… Quando chega essa hora, as pessoas costumam seguir um destes três caminhos:

ou ficam amargas, odiando tudo e todos, e então se isolam não só nos seus apartamentos mas sobretudo dentro de si (geralmente em alguma região muito desinteressante dentro de si), ou então viram um daqueles bonzinhos nervosos, um daqueles moralistas histéricos que ficam dizendo coisas como: você é muito egoísta, seu imbecil! Você tem que ser bom, seu animal!,

ou se enganam, não admitem que o concreto está irremediavelmente tomado por rachaduras e então se agarram a uma chave mal feita, um molde pretensamente definitivo religioso, político, ultra racional, ultra irracional, qualquer chave que no fundo elas sabem que não serve mas vão continuar girando na fechadura tentando abrir a porta de qualquer jeito, pior, fingindo que a porta se abriu,

ou aceitam esta bizarrice chamada realidade, esse piso onde caíram torrões de açúcar e baratas cheias de gosma que não é qualquer um que experimenta: a gente desfruta parte da vida e fica tentando engolir a outra parte, fica tentando enfiá-la goela abaixo como a G.H., mas não é por qualquer garganta que a gosma passa: não existe uma saída, as pessoas são boas e más; algumas foram vencidas pela sua faceta mais estúpida, é verdade, mas talvez a mudança verdadeira exista, ora, é claro que a mudança verdadeira existe, mas é rara e exige muita força de ser, e as forças fracas inventadas lá de fora nos empurrando para o senso comum, para um patético festival de fraquezas… E quando eu paro pra pensar nos conflitos entre o que eu quero pra mim e o que eu quero pro coletivo, os horrores da indústria da carne e o deleite diante de um bife, e acima de tudo a vontade de amar as coisas e a decisão de mandar tudo às favas porque nada disso aqui tem sentido… 

Mas você sabe, esse negócio de que nada disso aqui tem sentido é o tipo da coisa que só nos ocorre quando estamos desconectados das coisas, quando não amamos mais: pois nunca foi preciso entender o sentido das coisas para amá-las ou, pelo menos, para vivenciá-las com todo o nosso coração. 

Sei lá, como diria Drummond, essa lua, esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.

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